19 março 2004

piropos de obra

Estamos a perder a nossa identidade. Não me estou a referir às pessoas que, por qualquer motivo, ficam sem o seu documento de identificação pessoal, vulgo B.I.. Estou a falar deste cantinho à beira mar plantado que dá pelo nome de Portugal.

Eu sei que vivemos na era da globalização, com tudo de benéfico e nocivo que tal fatalidade da sociedade moderna acarreta. Mas há coisas que não se deveriam perder nunca.

Vamos por partes. Está agora a fazer uns aninhos, 510 para ser mais preciso, que foi assinado o acordo que dividiu em duas zonas de influência o mundo do século XV por descobrir, para Portugal e Castela. Não estão a ver do que é que estou a falar? Do Tratado de Tordesilhas pois claro.

Ah pois é. É que nós, que agora estamos reduzidos a este rectângulo continental e a mais uns quantos apêndices ilhéus, já fomos donos de metade do mundo. Até parece mentira.

Pois é. Fomos, mas já não somos. Andamos a descobrir uma data de coisas por esse mundo fora para depois, armados em tipos porreiros, entregar tudo de mão beijada. O que é que se safou? Algumas especiarias, novelas brasileiras de qualidade manhosa e uma data de bazares chinocas.

Não contentes com isto, resolvemos aderir ao Euro. Mas qual moeda única qual quê? É que, por causa disso, nós perdemos, não apenas o Escudo, mas também o Pau e o Conto. Foi-se a milena, levaram-nos a quinhentola e nunca mais vamos ter o pintor. Agora é tudo Euro.

Mas a coisa não ficou por aqui e acreditem que ainda piora. Quem não sente saudades do belo vendedor de rua que, em dia de jogo à porta dum qualquer estádio, apregoava a plenos pulmões “É pó cu, é pó cu. É a almofadinha da bola!”. Agora os únicos pregões que se ouvem quando andamos pela rua são “Ké frô?”.

Mas agora vem a pior parte, aquela que a mim mais me dói até porque diariamente lido com essa realidade. O que é feito do belo piropo de obra???

Nada tenho contra os imigrantes que trabalham nas obras. Muito pelo contrário. Provavelmente se não fossem eles, muitas das obras neste país não se faziam. O que lamento é que ninguém se tenha preocupado em preservar esse símbolo nacional.

Contrariamente ao que muita gente diz, mulheres na sua maioria, o piropo de obra não é ordinário. Muito pelo contrário. Cada piropo proferido, à passagem de alguém do sexo feminino nas imediações duma qualquer obra, tem um efeito “2 em 1”.

Por um lado, provoca imediatamente na mulher em questão, uma agradável sensação de que está a ser apreciada. Mesmo que a sua reacção possa ser de desagrado, a realidade é que, no seu intimo, a mulher fica com o ego elevado porque alguém reparou nela.

Por outro lado, o piropo tem uma vertente científica que não pode, nem deve, ser menosprezada. Permite detectar traços do perfil psicológico de quem o profere, descobrir facetas da sua personalidade e, até mesmo, enquadrar sociologicamente o indivíduo que o profere.

Vejam-se alguns exemplos:

“És boa como o milho!”
(nesta situação estamos perante alguém que é um ávido e fanático consumidor de Corn Flakes ao pequeno almoço)

“Oh jóia, anda cá ao ourives!”
(facilmente se percebe que este indivíduo faz uns biscates a arranjar relógios na ourivesaria lá do bairro)

“O teu pai deve ser talhante... saíste cá uma febra!”
(aqui vê-se que se estamos na presença de alguém que está habituado a fazer as compras lá para casa)

“Tu com tantas curvas e eu sem travões!”
(um bocado à semelhança do caso da ourivesaria, neste caso estamos em presença de alguém se faz biscates na oficina de automóveis do seu vizinho de cima)

”Oh princesa, deixa-me trepar ao teu castelo!”
(ora cá está alguém que não perde um programa do José Hermano Saraiva e sabe tudo o que há para saber acerca das nossas dinastias)

“Oh filha, rebocava-te essa fachada toda!”
(este é orgulho de qualquer encarregado de obra, pois é um profissional aplicado que está constantemente a pensar no bom desempenho da sua tarefa)

“E ainda dizem que as flores não andam!”
(este é um tipo sensível, que tem como passatempo a botânica)

É que, hoje em dia, quando se passam numa obra, a coisa mais parecida com um piropo que as mulheres portuguesas ouvem é qualquer coisa do estilo ““Vodka ieltsin perestroika gorbatchov putin sputnik!” ou então “Catunga du biró dipá cusá cadê di bô!”

Isto é intolerável! Não podemos deixar que o piropo de obra caia no esquecimento. É urgente unir-mo-nos todos à volta desta luta. Se calhar há que começar a pensar rapidamente na criação de um movimento cívico para defesa deste símbolo nacional. Qualquer coisa do género “Movimento Pró-Piropo d’Obra” (M.P.P.O.). Juntemo-nos e manifestemos a nossa indignação para com a falta de interesse dos nossos governantes na preservação da identidade nacional.

Sigam o meu exemplo. Não percam uma oportunidade que seja de presentear as transeuntes que circulam na periferia nas nossas obras com um genuíno piropo. Já agora, podem ajudar-me nesta luta enviando piropos para o mail do blog, de modo a que a minha base de dados de piropos não se esgote.

Salvem o piropo!

e dei-a





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