30 novembro 2004

nada para fazer

Por muitos eleito como dia da preguiça, utilizado para pôr o sono em dia e ficar na ronha o tempo que se estiver acordado, os domingos são para mim precisamente o oposto. Na minha agenda dominical não se inclui qualquer ida à missa, mas o almoço em casa dos pais e a arrumação e limpeza da casa são rituais instituídos aos quais convém prestar a devida atenção.

Este domingo não foi excepção. Encerrado a questão do almoço, eis-me de volta a casa pronto para enfrentar mais um combate desigual entre o homem e a casa em que o homem trabalha e a casa brilha.

Lavar e arrumar a louça que havia sobrado da véspera, mudar a roupa da cama, pôr a máquina a lavar roupa, aspirar as divisões todas, varrer as varandas, limpar a casa de banho, lavar o chão da cozinha, pôr a roupa a secar no estendal, levar o lixo para o contentor e os matérias recicláveis para o eco-ponto. Ufa!

Não quero que pensem que tenho alguma coisa contra os seguidores da doutrina da preguiça ao domingo, nada disso. Se não sou seguidor dessa filosofia de vida é por opção e não por obrigação. Mas o caso muda de figura quando os sujeitos em questão pertencem à tribo do “nada para fazer”.

Anda por aí muito boa gente que não ter mesmo nada para fazer, ou então tem, mas visto tratarem-se de assuntos de reduzida importância, preferem ser protagonistas de situações mais consentâneas com o “nada para fazer”.

Um dos mais recentes episódios em que foi possível aferir do modus operandi destes espécimes, aconteceu a semana passada no dia em que teve início o julgamento do processo Casa Pia.

Quem tenha visto um dos espaços noticiosos que passaram nos canais de televisão nacionais, não deve ter deixado de reparar na incrível quantidade de Homo “nadaparafazer” Sapiens que se aglomerou nas imediações do Tribunal da Boa Hora.

Pessoas que passaram ali o dia inteiro só para ver todo aquele reboliço mais de perto, ou então, serem premiados com a possibilidade de insultar o seu arguido predilecto. Mas será que aquela gente toda não tinha, efectivamente, mais nada para fazer do que estar ali!?

Depois temos os incontestados líderes nacionais do ranking dos nada para fazer: a população de Canas de Senhorim. Já não aguento. Dia sim, dia não, é vê-los em manifestações, em protestos à porta do Palácio de Belém, em ajuntamentos populares para levarem a cabo cortes de estradas ou da via-férrea.

Mas será que naquela freguesia ninguém tem mais nada para fazer do que reivindicar a elevação a concelho? Será essa a contribuição daquela gente para o Produto Interno Bruto? Já estou a imaginar os slogans de boas vindas quando aquilo for concelho: “Bem-vindo a Canas de Senhorim, o concelho que reivindica!” ou “Canas de Senhorim, capital do nada para fazer.”

Esta malta irrita-me.

e dei-a

15 novembro 2004

porque será?

Todos nós já vivemos a idade dos “porquês”. É algo que é intrínseco a todos os seres humanos. Mais mês menos mês, por alturas da nossa idade pré-escolar, ou até mesmo já na fase de aluno da primária, todos já bombardeamos os adultos com pertinentes questões associadas aos “porquês”.

Hoje apetece-me regredir no tempo e voltar a essa fase da minha vida. Se for a ver bem, esse deve ter sido o período mais feliz da minha existência. Nada sabia das realidades mundanas e a minha imensa curiosidade levava-me à simples e pertinente questão do “porquê” das coisas.

Hoje os “porquês” são outros, mais consentâneos com o escalão etário e com o estado da sociedade actual, mas na sua essência, estes “porquês” possuem a mesma inocência dos “porquês” da minha infância.

Porque será que a imagem que tenho dos congressos partidários, sejam eles do(s) partido(s) do (des)governo ou dos partidos da oposição, é a imagem de um circo? Ressalvo, no entanto, uma enorme diferença entre estes circos: no circo tradicional, nós somos os espectadores a assistir ao número dos palhaços, enquanto que, no circo da política, os palhaços somos nós e quem goza à nossa custa são os que estão no poleiro.

Porque será que, independentemente de tomar a vacina da gripe ou não, a realidade é que passo 2/3 da época de Inverno com os sintomas da constipação?

Porque será que, mesmo tratando-se de um programa enjoativo, irritante, insuportável e execrável, a Quinta exerça um fascínio e uma atracção tão grandes? Ontem não contive a minha curiosidade e mudei para a TVI só para ficar a saber quem eram as duas novas celebridades(??) convidadas para este rurality show.

Porque será que tendo vontade de dizer e perguntar certas coisas a certas pessoas, a realidade é que acabo sempre por não o fazer, optando ao invés por conversas quase sempre fúteis e que em nada contribuem para eu aliviar o espírito inquieto?

Porque será que fico irritado, e acho extremamente piroso, quando vejo pais e filhos a tratarem-se por “você”, como se essa fosse a única forma que os filhos tivessem de tratar respeitosamente os progenitores?

Porque será que fico chocado ao ver a notícia acerca de um indivíduo, alcoolizado, que depois de apanhado a conduzir cerca de 40 quilómetros em contra mão na A2, foi mandado para casa pelo tribunal, com termo de identidade e residência, mas sem que lhe tenha sido retirada a carta de condução?

Entre estes e outros, a pergunta permanece... porque será?

e dei-a

03 novembro 2004

F1

De entre os vários passatempos possíveis e imaginários, aquele que, inquestionavelmente, continua a merecer a minha preferência é o sair à noite para estar em amena cavaqueira com os amigos.

Aproveitando a benesse de um fim-de-semana maiorzinho do que o habitual, tive o prazer de poder usufruir desses impagáveis momentos de boa disposição, proporcionados por conversas em círculos de amigos, com o extra de ter ocorrido em duplicado.

Essas pequenas tertúlias são únicas, mesmo que os intervenientes não mudem. Há sempre tópicos de conversa, seja a discutir o estado da sociedade actual ou os mais recentes desenvolvimentos na quinta das nulidades, seja a falar de assuntos sérios ou a rir de uma qualquer anedota.

De entre todos os sítios onde é possível ir beber um copo e pôr a conversa em dia, há um que se destaca dos demais, podendo mesmo catalogá-lo como local de culto. Publicidade à parte, até porque não estou a receber qualquer patrocínio, tem sido à mesa do Clandestino que têm jorrado as melhores conversas subordinadas à temática daquilo que eu gosto de apelidar como “ideias muito à frente”.

No mais recente desses serões, a temática debruçou-se sobre a indústria automóvel, tendo-se iniciado nos carros do dia a dia, passando por carros de sonho até se chegar à Fórmula 1 (F1).

Por entre um moscatel e umas imperiais - sendo que o habitual é estes momentos acontecerem na presença de jarros de sangria, eventualmente acompanhados por uma ou outra tosta mista ou, nas noites de maior loucura, por um chouriço flamejante - as tempestades de génio criativo foram exibidas na sua forma oral ou, como os mais cépticos preferem dizer, abriram-se as bocas para dizer alarvidades.

A F1 actual é tudo menos interessante. As corridas são monótonas e, aconteça o que acontecer, ganha sempre o mesmo, o que retira todo e qualquer interesse ao habitual espectador destes eventos. Assim, de entre as várias “ideias muito à frente” tidas com vista a uma (inquestionável) melhoria deste desporto, aqui ficam algumas (são aquelas que eu me lembro):

- sempre que um carro entrasse na box para mudar os pneus, o piloto era obrigado a colocar o triângulo de pré-sinalização, à distância regulamentar de 30 metros, devendo o mesmo ser visível a 150 metros;

- à entrada e saída da zona das boxes seriam instaladas rotundas, ornamentadas por fontes luminosas e dotadas da habitual plantação de sinais de trânsito e afins;

- nas zonas mais rápidas de cada circuito, escondido atrás de um eco-ponto, estacionavam-se carros à paisana da BT, equipados com o radar, fazendo-se parar os pilotos em infracção na chicane mais próxima para serem autuados;

- os carros deveriam ter, colados no pára-brisas em local bem visível, os selos referentes ao imposto municipal, à apólice do seguro e à inspecção periódica, sendo o piloto obrigado a ter sempre à mão os seus documentos e os da viatura;

- sempre que se efectuasse uma ultrapassagem, o piloto teria que sinalizar a mesma recorrendo aos indicadores de mudança de direcção, vulgo piscas;

- aos pilotos com costela xuning seriam permitidas algumas alterações aos carros, tais como um boom bass a bombar som por trás do piloto, a mítica luzinha de néon azul, as jantes cromadas e resplandecentes, os vidros fumados ou os pedais e alavanca da caixa em alumínio racing;

- aos pilotos com veia de camionista seria autorizada a colocação de uma chapa de matrícula, com o nome ou a alcunha do piloto, junto ao pára-brisas, bem como também seria permitido pendurar no espelho retrovisor um coração com leds a piscar;

- os religiosos poderiam sempre optar pela colocação de uma imagem de N. Sra. Fátima sobre o tabelier, pendurar um terço no espelho e colar um autocolante na traseira a dizer “Jesus Salva”;

- outros autocolantes permitidos seriam todos aqueles pertencentes à família “o meu outro carro é um Porsche”, “se estás com pressa passa por cima” ou então o clássico “bebé a bordo” se bem que no caso deste último, o piloto seria obrigado a montar a cadeirinha no banco de trás do seu bólide.

Sem dúvida que, podendo não se aumentar o interesse competitivo ao campeonato, o interesse televisivo destes eventos iria ser resmas de vezes superior ao actual.

Muito à frente.

e dei-a

This page is powered by Blogger. Isn't yours?