19 outubro 2004

rotundas

Estão em todo o lado, crescem como cogumelos e reproduzem-se mais depressa do que coelhos. Consomem o pavimento das nossas estradas com maior voracidade do que uma praga de gafanhotos consome uma plantação de couves.

Podem ser grandes ou pequenas, podem estar ornamentadas ou apresentarem-se despidas, podem ter o lancil mais ou menos alto ou ser apenas uma circunferência pintada no chão.

Parece que a solução de todos os problemas de tráfego nas estradas nacionais passa pela construção de rotundas. Rotundas em todo o lado, em todas as estradas, numa proporção (desproporcional) de não sei quantas resmas de rotundas por cada metro de estrada.

É um flagelo. Não sei quem foi (ou foram) ou quem é (ou são) os iluminados que, um dia, descobriram esta milagrosa cura para todas as maleitas do escoamento de tráfego, mas quem quer que tenha (ou tenham) sido, falhou-lhes um pequeno detalhe: os condutores portugueses NÃO SABEM conduzir em rotundas!

Quantos de nós, possuidores de carta de condução, não passamos já pela experiência paranormal de ter que circular na rotunda do relógio, ou na rotunda do Marquês de Pombal em Lisboa, ou, levando o trânsito mais para norte, quantos já não experimentaram a alucinante sensação de ter que passar na rotunda AIP?

Muitas mais rotundas existem, todas elas problemáticas, umas mais do que outras, mas havendo em todas elas um denominador comum: o automobilista português. Grandes e muitos sustos já eu apanhei nos donuts do asfalto que por aí abundam.

Sendo isto um facto comprovado, porque é que se insiste na criação de mais dessas aberrações redondas? Como não quero que me acusem de estar a ser injusto para com os automobilistas, e como as minhas ebulições mentais estão sempre a conjurar novas teorias, julgo que a explicação deste fenómeno assenta num dos dois pressupostos que a seguir vou dissecar.

Pressuposto número um. Existem muitas rotundas porque isso convém a um lobby gigantesco, formado por entidades extremamente poderosas, como por exemplo, entre outras:

- os reboques e os bate-chapa - actuam em consórcio, são motivados pelos incontáveis acidentes e/ou pequenos toques que diariamente acontecem nas estradas de norte a sul do país, e que vêem nas rotundas uma autêntica mina de ouro, um verdadeiro íman para o negócio;

- os fabricantes de sinalética – rotunda que se preze tem, quer no seu miolo quer nos seus acessos, uma verdadeira floresta de sinais de trânsito, painéis identificativos ou, em alguns casos, até outdoors publicitários;

- a indústria farmacêutica – quando confrontados pela enésima vez com a fila de trânsito motivada por um acidente ocorrido na rotunda, são poucos os automobilistas que não têm uma crise nervos ou um ataque de mau humor, com a consequente azia ou indigestão e o (quase) inevitável recurso aos calmantes ou aos anti-ácidos;

- as gasolineiras – acidentes em rotundas provocam filas de trânsito, filas dão origem a demoras na chegada dos automobilistas ao seu destino, mais tempo os motores dos carros em funcionamento equivale a mais gasolina consumida.

Pressuposto número dois. As rotundas mais não são do que a prova da existência de vida extra-terrestre. Cada uma daquelas auréolas marca um ponto de aterragem de um disco voador, dai surgindo a imensa variedade de tamanhos que as rotundas apresentam. É exactamente a mesma lógica que está por trás daqueles misteriosos círculos que, de vez em quando, aparecem campos de cereais. A única diferença está no tipo de extra-terrestres: uns são ET’s amantes do campo, outros são ET’s urbanos.

Talvez isto explique porque é que não sabemos circular nas rotundas. Como haveríamos de saber, se as nossas escolas de condução não abordam a temática dos aliens? Seria o mesmo que, um dia, as cores dos semáforos deixassem de ser verde, amarelo e vermelho. Se fossem azul, castanho e lilás, é óbvio que também não iríamos saber o que fazer!

Eu voto no pressuposto dos ET’s... e vocês?

e dei-a

12 outubro 2004

boa acção

Nada como ter o carro avariado para fazer uma pequena viagem ao passado, recuando até aos meus dias de estudante universitário em que a utilização do comboio fazia parte da minha rotina diária.

Se algumas coisas evoluíram desde então, outras mantêm-se inalteráveis. Por um lado tenho agora carruagens modernas e mais confortáveis, horários mais preenchidos, estações mais funcionais e maior rapidez na aquisição do bilhete. Por outro lado continua a existir o bacano que se senta ao meu lado com os phones a bombar em altos berros, a senhora que insiste em pôr a conversa em dia com a parceira, dissecando em tom bastante audível a vida e os costumes de toda a vizinhança do prédio dela ou aquele pessoal que continua a insistir na utilização em doses industriais de água de colónia ou desodorizante.

Ontem ao final do dia, já suficientemente stressado e cansado com as atribulações laborais, enquanto aguardava sossegado pela chegada do comboio, sentado num banco da estação – ou apeadeiro, se preferirem – de Moscavide, estava longe de imaginar o momento “bom samaritano” que estava para acontecer.

Faltavam cerca de dez minutos para o comboio quando reparo que está um cão a passear pelos carris. Até aqui nada de especial. Não tarda muito já ele saltou dali para fora. Só que o tempo passava e o animal lá continuava, a andar dum lado para o outro com um ar assustado e desorientado.

Importa referir que nestas estações mais recentes, a altura do cais de embarque até aos carris é bastante grande, pois assim possibilita uma entrada mais fácil dos passageiros nos comboios, uma vez que as portas ficam niveladas com os ditos cais.

Este era precisamente o problema do canídeo. Ele sabia que tinha que sair dali, queria fazê-lo, só que a altura era demasiada para que ele conseguisse atingir a segurança. Para além disso, o bicho estava a meio caminho do comprimento do cais, pois se estivesse próximo de uma das extremidades facilmente conseguiria sair dali

Nos cais, de um e de outro lado da linha, várias pessoas tentavam em vão chamar pelo cão, tentando levá-lo até ao fim do cais, ou então tentando fazer com que ele se aproximasse para que alguém pudesse içá-lo. Só que tudo isto estava a deixar o bicho ainda mais assustado e desorientado.

À minha volta, com o aproximar da hora de chegada do comboio, sentia-se o crescer da ansiedade e de algum pânico nas pessoas. Murmurava-se, suspirava-se, falava-se... “... alguém que vá lá buscar o cão...”, “... alguém que faça alguma coisa...”, “... sai daí bicho, senão ficas debaixo do comboio...”

Só que o animal lá continuava e o tempo já escasseava. Ele já tinha andado uns metros na direcção do fim do cais, na direcção da segurança, mas ainda não os metros suficientes.

Foi então que eu não aguentei. Não sabia quanto tempo faltava, nem olhei para o relógio para saber. Pousei a mala do portátil e a minha bolsa, pedi ao senhor que estava sentado ao meu lado para olhar pelas minhas coisas e desatei a correr pelo cais na direcção do cão.

Quando estava perto dele saltei para os carris e tentei aproximar-me. A minha ideia era pegar nele e pô-lo em cima do cais. Só que o animal estava em pânico. Assim que sentiu a minha presença começou a fugir e não consegui pegar nele. Nessa altura, e uma vez que a distância já não era muita, comecei a correr atrás dele tentando levá-lo até à extremidade do cais. Só que ele, em vez de correr a direito, fintou-me, passando-me ao lado e começando a correr para trás.

Ele parou e eu voltei a tentar aproximar-me. Desta vez ele ficou quieto mas, assim que eu me baixei para o tentar apanhar, a reacção (natural) do animal foi rosnar-me. Falei com ele, tentei acalmá-lo e voltei à carga. Desta vez, para além das rosnadelas tive direito a uma bela dentada. Não desisti. Ele estava assustado e eu queria tirá-lo dali. Mais uma tentativa, mais uma mordidela, sendo que esta deixou-me um dedo bem marcado. Nisto ele desata outra vez a fugir na direcção do final do cais e eu a correr atrás dele, incitando-o a continuar porque a distância era pouca.

Durante os segundos ou minutos em que tudo isto se aconteceu, eu ouvia o barulho das pessoas que estavam nos cais, muito embora não estivesse a prestar qualquer atenção ao que quer que fosse que elas estivessem a dizer. Eu só pensava em tirar dali o cão. De repente, uma frase soou bem alto, acima de qualquer outra e tão perceptível como o ar que respiramos: “O comboio vem aí!”

Eu estava na mesma linha do comboio. O cão na linha ao lado a escassos metros da salvação representada pelo fim do cais. Só havia uma coisa a fazer e, na esperança de que o animal não se lembrasse de mudar de linha, saltei para cima do cais e comecei a correr em direcção aos meus pertences.

À medida que ia passando pela multidão que aguardava o comboio, fiquei estupefacto e revoltado com certas coisas que fui ouvindo. As mesmas vozes que no início se manifestaram em prol da salvação do canídeo, emitiam agora comentários do género “... não tem juízo nenhum, a saltar desta maneira para a linha...”, “... por mim bem que o cão lá ficava...” ou “... o homem deve ser maluco...”

Entrei no comboio e fui logo à janela ver onde estava o cão. Felizmente ele já estava em segurança, o que me deixou aliviado. Quando finalmente me sentei, olhei à minha volta e senti-me observado por olhares incriminadores, como se eu tivesse cometido um qualquer pecado capital. A hipocrisia e o egoísmo do bicho homem, infelizmente, não param de me surpreender. À medida que vou conhecendo as pessoas, mais gosto dos animais.

Quem diria que as boas acções deixam marcas... o meu dedo que o diga.

e dei-a

07 outubro 2004

nulidades

Não se fala de outra coisa. Para onde quer que se vá, para onde quer que se olhe, o grande tema do momento é a quinta. Aquela dúzia de celebridades alimenta o quotidiano dos portugueses, fornece temática de conversa, enche as primeiras páginas de jornais e revistas.

Podem ter baptizado aquilo de “Quinta das Celebridades” mas eu prefiro utilizar outras palavras terminadas em “ades”, tais como alarvidades, vaidades ou, a melhor de todas, nulidades. Também eu vou aproveitar a maré e vou seguir a mesma temática: nulidades.

Mas nulidades porquê? Deve ser por causa da minha aversão a este tipo de paródias. Não vou pedir desculpas por achar insultuoso para o cidadão comum, que se pague para que aquele bando de inúteis esteja para ali a fazer pouco dos comuns mortais.

Bendito país este em que um presidente de Câmara Municipal pode trocar a função para a qual o povo o elegeu pela participação neste programa, sem que seja sancionado por isso. Se fosse um qualquer comum cidadão a tomar esta opção, o mais certo era que o patrão o pusesse no olho da rua.

Mas já basta destas nulidades. Há muitas outras nulidades sobre as quais me apetece falar, a começar por mim mesmo.

Durante o recente fim-de-semana prolongado, que no meu caso se deveu à marcação de um dia de férias e não a uma tolerância de ponto, senti-me uma autêntica nulidade. Não fiz nada, rigorosamente nada, de produtivo. Limitei-me a dormir, comer, ver uns quantos DVD’s e dar de comer à minha cadela, uma vez que os meus pais não estavam em casa.

Pode parecer um contra-senso, uma vez que comer e dormir são dois dos meus passatempos predilectos, mas não gostei mesmo nada deste meu fim-de-semana. Não querendo ser mal interpretado, a realidade é que detestei aqueles quatro dias.

Felizmente para mim não fui a única nulidade do fim-de-semana. Só à conta do que vi, li e ouvi nestes dias, posso até ridicularizar umas quantas nulidades criando uma lista de potenciais vencedores do Prémio Nobel da Nulidade, baseando tal premissa nos meus (isentos) critérios de avaliação pessoais. E os candidatos são:

- Carvalho da Silva, líder da CGTP. Ouvir um dirigente sindical criticar um governo, seja de que partido for, por conceder tolerância de ponto aos funcionários públicos é aberrante incompreensível e demonstrativo de falta de coerência. Não são esses mesmos sindicatos que estão sistematicamente a ralhar, criticar e atacar os governantes, em defesa dos direitos dos sacrificados e explorados trabalhadores, exigindo (legitimamente) melhores salários, semanas de trabalho de 35 horas e maior flexibilidade perante o absentismo justificado?

- Outro candidato é aquele senhor, cujo nome não registei, que veio a público discursar acerca dos prejuízos que a concessão de tolerância de ponto acarreta no nosso PIB. Cada dia de ponte custa não sei quantos milhões de Euros ao Estado, diminuindo o PIB em não quantos por cento. Apetece-me perguntar o seguinte a esta ave agoirenta, profeta da má fortuna ou lá o que raio é que ele é: as tolerâncias de ponto não existem praticamente desde a revolução de Abril? Então só agora é que este iluminado deu conta dos prejuízos económicos de tal medida?

- Malta do street racing. Por mais argumentos que utilizem, por mais que apregoem que as transformações que fazem nos carros os tornam mais seguros, a realidade mostra o contrário. Não acredito que um carro, cuja estrutura está desenhada, concebida e idealizada, para determinadas velocidades de utilização, seja, após transformações que o tornam numa máquina capaz de atingir velocidades supersónicas, um veículo mais seguro do que quando sai da fábrica. Para além disso ouvir essa malta dizer que o Estado deveria criar espaços para eles se divertirem à vontade é ridículo. Isso tem tanta lógica como um assassino exigir ao Estado que lhe forneça as armas para poder praticar à vontade o seu passatempo.

- Rui Gomes da Silva, ministro dos Assuntos Parlamentares. As críticas proferidas por este senhor aos comentários semanais do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, acusando-o de proferir mentiras e inverdades, e de atacar sistematicamente este (des)governo, são do mais baixo que há e mostram que estamos de volta aos tempos da censura. Só porque o Professor Marcelo é do mesmo partido que o (des)governo, não pode opinar e comentar de acordo com a realidade dos factos? Pelos vistos não, tem que ser a voz do dono. O curioso é que os comentários do homem já existiam há quatro anos e meio e, só agora, é que aquele iluminado ministro veio a público criticar a falta de pluralidade naquele debate semanal. Aquilo não é – ou melhor, era – um debate semanal, é – ou melhor, era – uma rubrica de opinião pessoal.

Por muita nulidade que eu seja, a realidade é que, dificilmente, consigo competir com nulidades tão notáveis. Mais difícil ainda será discernir qual será a nulidade mor.

Coitados dos (genuínos) animais da quinta.

e dei-a

This page is powered by Blogger. Isn't yours?