29 setembro 2004

um morto na cozinha

Ainda mal refeito do choque que foi ter descoberto que, pasmem-se e espantem-se, sou um dos 30% mais ricos deste país, e eis que o meu quotidiano é abalado por mais uma bizarra ocorrência.

Antes que comecem para aí a pensar que sou afilhado do Belmiro de Azevedo ou coisa que o valha, convém esclarecer que a não fui eu quem concluiu este estado de (suposta) riqueza. Trata-se apenas e só de uma afirmação do “nosso” ministro das Finanças, em entrevista à RTP a propósito do corte aos benefícios fiscais no IRS do próximo ano. Segundo o Dr. Bagão Félix, e passo a citar, “são os 30% mais ricos deste país que investem em PPR, PPR-E, PPA e CPH”.

Riquezas à parte, há uns dias atrás preparava-me eu para ir dormir quando dou conta que o meu canário estava a fazer um chinfrim de todo o tamanho, algo que ele só costuma fazer de manhã quando nasce o sol.

Fui à cozinha ver o que se passava e, assim que acendo a luz, ouço uns barulhos estranhos vindos do tubo de evacuação dos gases de combustão do esquentador. Estou a falar do tubo que liga o esquentador e à chaminé, mas como tenho a mania de usar expressões complicadas aproveitei para fazer isso mais uma vez.

Peguei no escadote, dei uns quantos abanões no tubo para ver se descobria alguma coisa mas, como não vi nada de estranho e os barulhos pararam, resolvi ir deitar-me. Nem tornei a pensar no caso.

Dois dias depois, após mais um dia de trabalho, assim que entro em casa dou conta dum cheiro estranho no ar. Não era da sanita nem era do balde do lixo. Pus-me a pensar de onde poderia vir aquele cheiro e foi então que me lembrei dos barulhos do outro dia.

Volto a pegar no escadote e, surpresa das surpresas, ao desencaixar o tubo da chaminé deparo-me com um pombo morto. Pelo cheiro, deve ter morrido dois dias antes, provavelmente porque ficou entalado entre o tubo e a chaminé e acabou por morrer sufocado com os gases.

Eu moro no último andar do meu prédio e já me habituei aos sons dos pombos logo pela manhã. Deve haver ninhos perto das chaminés ou coisa assim parecida. Agora pombos a visitar-me a casa é que nunca me havia acontecido.

Pergunto eu, que raio é que terá passado na cabeça do animal para se ir meter ali? Consigo idealizar algumas teorias credíveis para justificar tal acontecimento:

1) Tratou-se de um suicídio. O pombo em questão estava farto da vida que levava e, ciente de que naquele local os gases tóxicos são emitidos diariamente, decidiu pôr termo à sua existência daquela forma. Dúvida: terá o animal deixado alguma nota de suicídio?

2) O pombo morreu de overdose. No fundo o desgraçado do animal não passava de um toxicodependente, completamente agarrado aos gases tóxicos. Só que, naquele dia, a dose foi mal calculada e ele não aguentou.

3) O pombo morreu devido a algum ritual macabro da irmandade do pombal. Qualquer coisa semelhante a jogar à roleta russa. Um ritual de iniciação baseado no simples princípio “se queres pertencer à nossa irmandade tens que descer pelo tubo da morte e voltar para relatar a experiência”. Escusado será dizer, não foi aceite.

4) Foi a curiosidade que o matou. Imaginem que o pombo, juntamente com outros pombos, também assistiu à entrevista do ministro e ficou com vontade de ver como seria o interior da casa de um dos 30% mais ricos. Não deve ter gostado daquilo que viu.

5) O pombo foi vítima de homicídio, e quem o matou fui eu, apesar de o ter feito de modo involuntário. O animal andava a passear pelo topo da chaminé, escorregou num qualquer detrito, caiu pela chaminé abaixo até ficar entalado no tubo do meu esquentador. De seguida, e sem me aperceber de nada disto, no processo diário da minha higiene pessoal (banho) eis que acabo por sufocá-lo com os gases do esquentador.

Agora compreendo os porcos: a higiene pode matar.

e dei-a

17 setembro 2004

mIRC

“Sabes que dia é hoje?”. Aquela frase, proferida naquele momento e com aquela entoação, atingiu-me violentamente, tal e qual como se eu tivesse sido abalroado por um comboio em velocidade desenfreada.

Exageros metafóricos à parte, a verdade é que eu me tinha esquecido por completo daquela data. A idade avançada não pode servir de eterna desculpa a todos os esquecimentos relacionados com datas de calendário. Nada justifica que me tenha esquecido do dia em que proferi a célebre interrogação ”Como é que perdeste uma coisa tão grande?”

Ainda por cima, para agravar ainda mais o já por si só suficientemente gravoso esquecimento, o dito ocorreu quando estava ao telefone com a única pessoa com quem sempre fiz questão de celebrar a malfadada data.

Está na hora de colocar alguma água na fervura. Mas afinal, que data tão importante é essa? Trata-se apenas da data em que teve lugar o mítico jantar do canal “pearljam” do IRC, o qual teve lugar no já longínquo ano de 2000, mais concretamente a 16 de Setembro.

Francamente. Tanto alarido por um simples jantar, ainda por cima um jantar de canal? Mas afinal, que interesse é que tem um jantar desses?

Antes de mais, não se tratou de um simples jantar de canal. Foi O jantar de canal. Vinte e quatro utilizadores daquele que, orgulhosamente, era conhecido por ser um dos canais mais ordinários da ptnet, juntaram-se à mesa de um restaurante situado na já extinta feira popular de Lisboa.

Acredito que a grande maioria das pessoas que utilizam a Internet conhecem, utilizam ou utilizaram, ou pelo menos já ouviram falar do IRC. Um mundo de conversa em incontáveis canais temáticos, onde as pessoas falam de tudo e mais alguma coisa.

Influenciado por colegas meus que já eram frequentadores desse mundo, assim que tive Internet em casa, o mIRC foi logo um dos meus alvos preferidos. Ainda me lembro do drama que foi conseguir escolher um nick, da minha ingenuidade de caloiro naquele ambiente porque nem sequer sabia o que era um simples lol.

Foram noites de paródia, conversas hilariantes, momentos de completa loucura e convívio com punhado de utilizadores que eu não conhecia nem fazia ideia quem eram, vindos de várias zonas de Portugal: Alverca, Barreiro, Póvoa de Santa Iria, Portimão, Porto, Maia, Amadora, Leiria, entre outras.

Como não há bela sem senão, quem sofria com tudo isto era a minha mãe quando chegava a hora de pagar a conta do telefone. Ainda não estava na era da Netcabo e as contas não estavam a ser nada modestas. Para evitar males maiores cheguei a um acordo com ela em que passava a ser eu a suportar os custos das chamadas de dados.

Com o passar do tempo, e à medida que nos íamos conhecendo melhor, começou a crescer a vontade de eu participar num desses jantares de canal. Seria uma forma de conhecer realmente a pessoa por detrás do nick. Finalmente esse dia surgiu e devo dizer que, no meu caso, tratou-se do ponto de partida para algumas boas amizades que, felizmente, ainda subsistem.

Como o passar do tempo, e à medida que as amizades iam crescendo, os nicks foram desaparecendo e foram ficando os nomes. Mas, passe o tempo que passar, a realidade é que podemos tirar o nick à pessoa, mas não conseguimos tirar a pessoa ao nick. Poético.

Hoje em dia não frequento o IRC, mas não deixei de o utilizar. Pelo menos uma vez por mês ligo-me a esse mundo porque faço questão de preservar o registo do meu nick. É algo tão meu como a minha casa, o meu carro ou a minha roupa. Faz parte da minha história.

Esqueci-me da data mas não me esqueci das pessoas. Ainda bem que ela perdeu aquela coisa tão grande.

e dei-a

13 setembro 2004

o fim

As minhas manhãs nunca mais vão ser as mesmas. Pior ainda, não só as minhas como as de muito boa gente que por aí anda. E tudo isto por causa de um simples programa de rádio.

“Vou directo ao assunto: o Programa da Manhã da Best Rock, tal como o conhecíamos até agora, morreu. Não haverá mais nenhuma edição, e o mesmo acontece com a rubrica do Homem que mordeu o Cão. (...)”

O parágrafo anterior, transcrito duma carta redigida e enviada por Pedro Ribeiro para uma mailing list, penso eu que seja a lista da própria Best Rock, serviu para confirmar os meus maiores receios.

Efectivamente, desde à algum tempo, que eu estava a estranhar a prolongada ausência da habitual equipa do Programa da Manhã. É certo e sabido que eles tinham ido de férias, mas também não deixa de ser verdade que as férias já deviam ter acabado.

Havia ali qualquer coisa que não batia certo. Uma vez que na passada quinta feira regressaram as emissões do HQMC-TV, facto que por si só significa que aquele trio já não se encontrava de férias, e não havendo ainda igual regresso às ondas hertzianas, a minha desconfiança crescia.

(nota de rodapé: as pessoas são as mesmas mas, na minha modesta opinião, o formato TV pura e simplesmente não funciona)

Mantive-me na expectativa de que o regresso estivesse agendado para uma destas segundas feiras. Lamentavelmente, e conforme pude hoje confirmar, aconteceu aquilo que nenhum dos habituais ouvintes daquele programa desejaria.

“(...) Eu fui desafiado para fazer as novas manhãs do RCP, e após longas e sofridas conversas com o Nuno, a Maria e a Patrícia, resolvi aceitar. Por tudo o que fizeram por nós e pelo programa, sinto que vos devo uma explicação. Aceitei ir para o RCP porque sentia que o formato e target da Best eram cada vez mais distantes daquilo que eu sou, hoje. Aliás o nosso programa era claramente fora do target definido pela estação, porque essa era a única maneira de alargar horizontes e conquistar mais ouvintes, no quadro de uma estação mínima, e onde crescer mais é praticamente impossível. Sinto que não estava a aprender nada ali, e acho que aos 33 anos não podia conformar-me com o conforto de uma receita que sabemos aplicar de cor. (...)”

Não vou aqui entrar em grandes considerações acerca dos motivos que poderão ter levado a direcção de programas da Best Rock a tomar esta decisão. Pela parte que me toca, apenas tenho a dizer que, com esta atitude, esta estação rádio perdeu um ouvinte.

O Programa da Manhã era, de longe, o único programa de jeito que ainda havia naquela rádio. Não pelas escolhas musicais, uma vez que desde à muito tempo a esta parte que a playlist da Best era uma valente e monumental monotonia repetitiva e, exasperantemente cansativa.

O programa valia pela equipa. A boa disposição contagiante, os hilariantes momentos de (saudável) insanidade colectiva daquela tribo, as piadas ribeirinhas, as histórias bizarras do HQMC são INSUBSTITUÍVEIS!!! Quem não se lembra da cebola do Markl?

Estou triste e extremamente desiludido com esta situação. Posso mesmo dizer que estou revoltado. Fazendo emergir à superfície a minha costela contestatária, apetece-me transformar este post num protesto contra a Best Rock ou contra quem quer que sejam os responsáveis pela extinção da mais brilhante rubrica que alguma vez existiu nas rádios nacionais. Por mim, a Best Rock podia fechar as portas.

Não deixa de ser curioso, e de certo modo prova do tipo postura da “gerência” da Best, que ainda não tenha ouvido anunciar que o formato do programa ia mudar. Pior ainda. Continuam a iludir os mais incautos, transmitindo duma forma a meu ver abusiva, e como se nada se passasse, edições de arquivo do HQMC. Indecente!

“(...) Do fundo do coração quero agradecer-vos a todos, por tudo. Nunca tinha tido a prova de que o nosso trabalho podia tocar de forma tão decisiva tanta gente. Vocês são os melhores ouvintes que um profissional de rádio pode ter. Muitos de vocês deixarão de me ouvir, certamente. Mas de certeza que não me vão esquecer, nem a mim nem aos outros iztúpidos que vos acordaram nas manhãs dos últimos anos. (...)”

Faço minhas as palavras do Pedro Ribeiro: obrigado por tudo e até sempre.

e dei-a

02 setembro 2004

pós-férias

Mesmo sem ter ido de férias para sítio algum, a verdade é que estive de férias, o que por si só é sinónimo de estar afastado da escravatura dos horários. deitava-me quando me dava o sono, levantava-me quando estava farto de estar na cama, comia quando me dava fome, e por aí fora.

Apesar de tudo não digo que as minhas férias foram uma seca. Fui umas quantas vezes à praia, sempre em boa companhia, o que foi bom porque sempre deu para disfarçar o chamado “bronze de camionista”, desfrutei de bons momentos de convívio com amigos meus, alguns que já não via há algum tempo e fui adiantando serviço no puzzle de 1000 peças que está estacionado na mesa da minha sala.

Faça-se o que se fizer nas férias, vá-se para onde quer que seja, a pior parte das férias é, sempre foi e sempre será, o fim das mesmas. Vencer a inércia do pós-férias é algo extremamente complicado, pelo menos para mim. É uma ciência que não domino e que, muito provavelmente, nunca o irei fazer.

O regresso ao trabalho é sempre doloroso e isso reflecte-se, imediatamente, no acréscimo na quantidade de cafeína ingerida. Levando isto até ao limiar do exagero, são praticamente incontáveis os cafés que bebo neste período. É que ainda estou no fuso horário do lazer, ou seja, adormecer a horas razoáveis, para quem tem o despertador a tocar às sete e meia da manhã, é algo ainda muito doloroso.

Depois convém não esquecer o trânsito matinal que, por muito pouco que seja, é sempre mais do que aquele que se deseja encontrar quando já se vai atrasado para o trabalho.

Chegado ao meu poiso laboral, deparo-me com uma gigantesca pilha de faxes, a fazer lembrar o monte Evereste, os quais têm que ser lidos, rubricados e assimilados. Some-se a isso mais uns quantos documentos dispersos sobre a minha secretária, todos eles com um post-it a conter a anotação “trata deste assunto” e tem-se novamente a loucura e a azáfama diárias das quais, pelo menos por uns dias, estive afastado.

Enfim, o lema “work sucks” está de volta em toda a sua pujança. Mas há que ver o lado positivo. Como regressei de férias no dia 30, e uma vez que na empresa em que trabalho os ordenados são pagos no último dia útil de cada mês, soube-me muito bem recebê-lo após um único dia de trabalho.

“Work sucks”... mas se não houver quem trabalhe, como é que vai haver dinheiro para a minha reforma?

e dei-a

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