16 março 2004

rinite

Quantos de vós que, fielmente, devoram estas linhas estão envolvidos numa relação de longa duração? Vá lá, não se acanhem e respondam. “Querem lá ver isto agora, hein?. Era só o que faltava. O gajo tá armado em cusco ou quê?”

Sosseguem os vossos espíritos que não estou minimamente interessado nas vossas relações. Efectivamente é esse o tema de hoje, mas não vou falar das relações dos outros. Pois é. Hoje vou falar-vos da minha companheira. “Boa. O bacano vai falar da relação dele. Baril. Devem vir aí revelações surpreendentes.” Ou então não.

Sim. Leram bem. Não é gralha nem engano. Eu escrevi “minha companheira”. Surpreendidos(as)? Chocados(as)? Não me digam que ainda não sabiam? Hehehe.

A prosa de hoje é dedicada à minha fiel e dedicada Rinite. De seu nome completo Rinite Alérgica Persistente, a minha querida Rinite partilha comigo a sua vida já lá vão 18 aninhos. “Tanto tempo? Chiça!”

Confesso que, quando tudo aconteceu, eu não estava preparado para assumir compromisso tão sério. Mas ela apaixonou-se. Houve como que uma atracção irresistível. Diria mesmo, magnética. Foi ela que se chegou à frente. A minha Rinite é uma menina muito moderna. Não ficou à espera que eu desse o primeiro passo.

Assim que me viu pela primeira vez, houve logo aquela química tipo “Atracção Fatal”. Foi tudo muito rápido. Ainda mal me tinha apercebido do que me estava a acontecer e já a inflamação da mucosa nasal se tinha apoderado de mim. A Rinite bateu-me forte.

Com receio de me perder, ela não fez a coisa por menos. Seduziu-me e encantou-me com crises de espirros, congestão e obstrução nasal, rinorreia e muito prurido nasal e ocular. É impossível resistir a tais encantos.

Tem sido uma relação como a maioria das relações. Tem os seus momentos bons e menos bons. Há coisas nela que não me agradam muito, como por exemplo ter que conviver com alguns amigos dela. Não vou lá muito à bola com o bando de alergénios com quem ela se dá. Os ácaros, fungos, poléns e fâneros de animais são chatos e maçadores. Mas podia ser pior. Mal por mal, antes estes que a família Ite. Para a otite, conjuntivite e sinusite é que não há mesmo pachorra nenhuma!

Ao princípio tudo era um mar de rosas. Estava cativo aos encantos dela. Por ela, tal era a atracção, cometi loucuras como fazer testes cutâneos de alergia. São marcas que vou guardar para sempre e tudo por causa dela.

Passada a fase do encanto, veio a fase do desencanto. Dei por mim envolvido numa realidade que não tinha previsto. Nunca pensei, ainda na flor da idade, ter de partilhar a minha vida com alguém. Senti-me aprisionado. Senti que não tinha chegado a curtir a vida. Achava que estava a cometer um erro do qual me poderia vir a arrepender para o resto dos meus dias.

Talvez por isso, afundei-me no lodo da evicção alergénica. Tentei livrar-me da Rinite, fazendo com que ela me viesse a achar insuportável e se fosse embora. Foram tempos bem sombrios. Eu estava desesperado. Procurei conforto nas piores substâncias. Anti-histamínicos, sedativos e não sedativos, corticosteróides e vagolíticos intra-nasais, de tudo um pouco eu experimentei. Cheguei mesmo a bater no fundo quando dei por mim metido na imunoterapia específica.

Mas a minha Rinite não me deixou. Fiel e determinada, a tudo isto ela sobreviveu. A força do seu amor foi mais forte que todas as drogas. Graças a esse amor, consegui limpar-me.
Limpei-me, mas não me curei. Longe estava a minha Rinite de imaginar que eu tinha uma amante. É verdade. Não me orgulho daquilo que digo, mas a verdade nua e crua é essa mesmo. Durante anos existiu outra na minha vida. A minha Lesão Benigna.

Consegui mantê-la escondida da Rinite durante bastante tempo, pelo menos pensava eu que sim. A verdade é que a Rinite sempre soube que havia outra. Mas mesmo assim, ela não me abandonou.

A Lesão estava a tornar-se insuportável, incómoda. Um fardo que eu já não estava a aguentar. Pressionou-me, encostou-me à parede. “Ou eu ou ela. Vais ter que optar. Não quero continuar a ser a outra.” Foi o fim. Não havia volta a dar. Em Janeiro deste ano, a excisão da Lesão Benigna era um facto consumado. Com direito a encerramento directo, para que não restassem dúvidas.

Fiquei só eu e a Rinite. E assim continuamos. Com mais ou menos comichão no nariz e nos olhos, com mais ou menos espirros, hoje eu sei que a Rinite entrou na minha vida para ficar.

Até que a morte nos separe.

e dei-a





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